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Estudante que pedalava do Lobato aos Barris para estudar faz campanha para ir a Portugal

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Estudante que pedalava do Lobato aos Barris para estudar faz campanha para ir a Portugal
Foto: Marina Silva/CORREIO

“Você tem que estudar pra não ser motoboy de luxo”. Para evitar que a sina se cumprisse, a estudante Rogilene Bispo, 28 anos, seguiu a recomendação, ouvida durante uma seleção de estágio, e subiu numa bicicleta rumo ao sonho de ingressar numa universidade pública. Negra, cotista e de família humilde, ela enfrentou todas as dificuldades possíveis para uma mulher que teve uma educação deficitária, mas conseguiu uma vaga no curso de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Foram quatro tentativas para ingressar na concorrida faculdade, e muito esforço para se manter no ambiente acadêmico. Agora, já no 7º semestre, Rogilene conseguiu uma vaga no programa de mobilidade acadêmica e vai poder continuar o curso na Universidade de Coimbra, em Portugal, durante dois anos.


A estudante, no entanto, precisa de pelo menos R$ 15 mil para conseguir viajar para a Europa e bancar diversos custos, a exemplo da documentação necessária. Para arrecadar o montante, Rogilene está fazendo uma vaquinha online. “Esse dinheiro é inicial. Eu sou cadastrada no programa de assistência estudantil, e eles vão me dar uma bolsa mensalmente para eu me manter lá. Mas preciso comprar a passagem, e o valor não cobre todos os gastos, com documentos, visto, passaporte. São todos os gastos burocráticos de uma pessoa que nunca viajou para o exterior”, conta.


A estudante não gosta de se lamentar das dificuldades que enfrentou ao longo da vida, mas acredita que a sua história de vida pode ser um exemplo para outras pessoas que vivem na mesma situação de pobreza, e que podem ver na educação uma possibilidade para ter um outro futuro.


“Vou continuar buscando oportunidades e abrindo caminhos para outras pessoas que virão. É um caminho muito difícil e doloroso. Eu não tive infância, mas hoje tenho vários livros de Direito que ganhei, que foram doados. Com as políticas públicas, pode ser mais leve pra uma pessoa que vai vir”, opina.


Moradora do Lobato, no Subúrbio Ferroviário, ela teve dificuldades desde a época da escola. Teve ainda que conciliar estudo e trabalho e, muitas vezes, para ajudar nas despesas de casa, ia com as irmãs e a mãe trabalhar na Feira do Rolo, na Baixa do Fiscal. Tudo isso para não cair na “vida mais fácil” do crime, como ela chama.


“É tudo muito tenso aqui. As pessoas nem acreditam que eu estudo Direito. Tenho que mostrar o comprovante. Foi muita dedicação. Eu lutei muito pra passar na Ufba. Tive um ensino muito deficitário. Comparando o ensino público e privado, é muito surreal”, analisa a estudante.


Pedalando até a biblioteca


E para conseguir ingressar na universidade, contou com a ajuda de uma bicicleta. Ela pedalava de casa até a Biblioteca Pública dos Barris - uma distância de cerca de 15 km. Rogilene dividia a bicicleta com as irmãs Rogiene e Rosângela. Como não tinham livros para conseguir estudar, se revezavam para ir até o Centro estudar os livros que estavam disponíveis.


“Cada dia ia uma para a biblioteca estudar. Eu fazia cursinho no Universidade Para Todos, e estudava no Landulpho Alves [em Água de Meninos]. No fim de semana, minha irmã ia também. Ia pedalando mesmo. Passava pelo Comércio, Ladeira da Conceição até chegar lá. Depois comprei uma corrente e um cadeado. A gente prendia no Mercado Modelo para ninguém roubar, porque era o único meio que a gente tinha para ir”, lembra. Depois, as irmãs subiam o Elevador Lacerda e caminhavam até a Biblioteca.


A amiga bicicleta também ajudou dona Gicelda a realizar o sonho de fazer o curso técnico em Enfermagem, que concluiu em dezembro. “Eu sempre sonhei em fazer o curso técnico em Enfermagem. Depois que as meninas começaram a ganhar bolsa na faculdade, aí deu para pagar meu curso e terminar. Foi difícil, mas consegui, graças a Deus”, conta.


O meio de transporte virou xodó. “Essa bichinha me levou em Praia de Flamengo. Serviu para todo mundo. Ia e voltava com minha bicicleta, não tinha como pagar transporte. Tantas vezes saía do curso com pneu furado e tinha que vir arrastando”, recorda Gicelda.

Fonte: Correio24horas